A sanfona branca, os dedos ágeis, o chapéu de couro, a poesia amolada
e os olhos sorridentes marcam os gestos e a arte do pernambucano mais
cearense do País. Responsável por projetar o Nordeste para todo o
Brasil, Luiz Gonzaga do Nascimento (1912-1989) bateu asas do sertão e
deixou a saudade em seu lugar há exatos 25 anos. Depois de 42 dias
internado no Hospital Santa Joana, em Recife (PE), uma parada
cardiorrespiratória lhe sacrificou a vida, na manhã de 2 de agosto de
1989.
Símbolos
do Nordeste, as narrativas do Velho Lua desenharam o retrato de um
Brasil rural, repleto de feridas mal cicatrizadas, causadas pelas
agruras da seca, mas também de alegrias, festas, amores, desamores,
traquinagens e de muita fortaleza. As composições do trovador do sertão
atravessam décadas sem perder a força e ainda dialogam com a
contemporaneidade.
O
mineiro Guimarães Rosa (1908-1967) definiu bem a região do semiárido em
seu Grande Sertão: veredas: “Sabe o senhor: sertão é onde o pensamento
da gente se forma mais forte que o poder do lugar. Viver é muito
perigoso...”. E foi em Araripe, um povoado do município de Exu, nas
quebradas do sertão pernambucano, que Luiz cresceu, formou seu
pensamento e se tornou homem. Mas foi bem cedo que tomou rumos de
viajante, saiu a desbravar outras cidades e espalhar sua arte.
O
legado do Rei do Baião influencia gerações de músicos e compositores
por todo o País, atravessa décadas e é perpetrado. O cearense Raimundo
Fagner é um desses músicos que levam em sua bagagem os ensinamentos do
mestre. Na década de 1980, Fagner e Luiz Gonzaga se encontraram e,
juntos, gravaram dois discos antológicos, chamados Luiz Gonzaga e Fagner
(1984/1987). A
aproximação dos dois aconteceu em São Paulo, quando um colega de Fagner
fez a ponte entre eles. “Lembro que eu dizia: ‘meu sonho é gravar com
esse cara’”, conta o cantor, em entrevista por telefone, e emenda: “Ele
(Luiz Gonzaga) me levou de volta pro Nordeste. Voltei o olhar, muito
mais forte, para o Nordeste. Foi uma relação muito bacana, muito
estreita, de fazer shows com ele. Ele me tratava como um filho”.
Depois
da morte de seu Lua, a força com que a música dele chega aos ouvidos
das gerações tem desacelerado e está ficando mais dispersa. Fagner
assinala que uma das soluções seriam os músicos que protagonizam o forró
no País “buscassem o repertório de Gonzaga” e levassem o nome do rei do
baião para seus shows e discos, com novas roupagens nas músicas. “O
legado dele é eterno. Para nós, nordestinos, tem uma coisa muito forte”.
O
acordeonista cearense Adelson Viana compartilha da opinião de Fagner.
“É um pouco triste, o meu olhar, porque muita gente acha que a música do
Luiz Gonzaga é uma coisa velha, mas é o contrário, é uma coisa muito
atual. Essas músicas contam as nossas histórias, porque ele falou do que
o Nordeste tem, do que o Nordeste é. E vou além. Da mesma forma que os
Beatles e os Rolling Stones continuam atuais, o Gonzaga também é. E isso
não pode ser jogado fora”, critica. Admirador e seguidor de Luiz,
Adelson lançou, ano passado, um CD Todo o Nordeste nas canções de Luiz
Gonzaga e o livro O Nordeste nas canções de Luiz Gonzaga, organizado por
ele, ao lado de Lucinda Azevedo e Ana Thais Feitosa. A obra conta os
muitos causos protagonizados por Luiz Gonzaga e resgata as
peculiaridades do nordeste brasileiro que são narradas em sua obra. Seu
Lua, rei do baião, Gonzagão. Não importa a alcunha carinhosa - e
respeitosa - que seja utilizada para se referir a Luiz. O importante, e
que deve ser enaltecido, é que a arte do mestre sintetiza, de forma
majestosa, e imortaliza a essência de tudo o que é Nordeste, o que é
Brasil.
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