Catherine e sua prima Carla, dois guevedoces da República Dominicana. Eles são chamados de guevedoces e desenvolvem características masculinas apenas a partir da puberdade.
Esta é uma condição extremamente rara: até o momento, só foram relatados cientificamente alguns poucos casos de guevedoces
na República Dominicana, Turquia e Papua-Nova Guiné. ‘Elas’ nascem com
aparente genitália feminina; o pênis só se desenvolveu e os testículos
só desceram com a chegada da puberdade, quando ocorre o início da
liberação dos hormônios sexuais (progesterona, estrogênio e
testosterona). Os guevedoces sofrem de uma deficiência da 5-alfa-reductase, uma
enzima que transforma a testosterona (T), principal hormônio sexual
masculino em outro mais potente, conhecido como di-hidrotestosterona
(DHT). Esta deficiência é uma das causas do pseudo-hermafroditismo
masculino, mas a transmissão genética é recessiva (só ocorre quando pai e
mãe são portadores deste cromossomo).
O que é DHT?
Uma das principais funções da DHT é induzir a virilização da
genitália externa, para desenvolver o pênis, uretra, próstata e
testículos durante a formação fetal. O hormônio, em condições normais,
também contribui para o surgimento dos caracteres sexuais secundários. Os guevedoces, afetados pela deficiência da enzima 5-alfa-reductase,
não têm os genitais formados durante a gravidez. A maioria acaba sendo
criada como meninas, até o surgimento dos órgãos sexuais. Alguns
indivíduos, porém, mesmo com a deficiência, desenvolvem-se normalmente –
e são estes que contribuem para a transmissão dos genes recessivos, ao
terem bebês do sexo masculino com mulheres com a mesma anomalia. Nos guevedoces, as gônadas são formadas, ainda no zigoto (o indivíduo
nas primeiras multiplicações celulares), para desenvolver pênis e
testículos. A inibição da DHT, impedida pela deficiência da enzima, gera
indivíduos que, ao nascerem, apresentam genitália feminina, ambígua ou
masculina.
Ao chegar à puberdade (entre dez e 12 anos), porém, o cérebro envia
ordens para que a produção de testosterona seja acelerada. Esta explosão
de hormônios é a responsável pelo surgimento gradual das
características sexuais primárias. Isto explica por que algumas raras
meninas criam pênis.
Os guevedoces
O termo “guevedoces” é a superposição das palavras “gueve” e “doce” e
significa “pênis aos 12”. Ao menos um dos adolescentes avaliados
revelou nunca te tido interesse por atividades de meninas. Isto pode
indicar que, mesmo com genitália feminina, o jovem portava personalidade
psicossexual masculina. Apesar da baixa prevalência da deficiência da enzima, uma cidade
isolada da República Dominicana, Las Salinas, tem chamado o interesse da
comunidade médica. Na localidade, pesquisadores que estudaram 13
famílias identificaram pelo menos um caso de guevedoces em 12 delas. A incidência da mutação genética na população de Las Salinas é de um
entre cada 90 indivíduos. Apesar a título de comparação, estima-se que a
proporção de portadores da síndrome de Down seja de um para cada 650
indivíduos nascidos vivos. Os cientistas acreditam que a população da cidade dominicana, isolada
e com vários casamentos entre apenas poucas famílias, esteja sofrendo
do chamado “efeito gargalo”. Isto significa que a presença dos
guevedoces em um número desproporcional é devida à transmissão de
anomalias genéticas em um grupo biologicamente fechado.
Antropólogos e sociólogos também participam da pesquisa, que pode
ampliar os conhecimentos sobre a genética humana. Várias famílias
comemoram o início da transformação das meninas em rapazes. Em
Papua-Nova Guiné, moradores locais afirmam que alguns indivíduos
“evitam” se desenvolver como mulheres. Como se pode notar, são duas
culturas machistas, mas, sem dúvida, de forte interesse humanitário e
científico. Uma das primeiras cientistas a estudar a deficiência foi a médica
endocrinologista Julianne McGinley, da Escola de Medicina da
Universidade Cornell, em Ítaca, Nova York (EUA). Ainda no início dos
anos 1970, ela partiu para estudar os casos das estranhas meninas que
criaram pênis. O fato, se fosse verídico, daria veracidade à sua tese, segundo a
qual a deficiência da 5-alfa-reductase (que inibe a conversão de
testosterona em DHT) pode provocar anomalias fenotípicas a partir de
mutações cromossômicas. A médica analisou diversas crianças e constatou
que o fenômeno era real, com diversas implicações para a ciência.
Na imensa maioria das gerações de embriões, a mãe fornece um
cromossomo X e o pai, um cromossomo X ou Y. No primeiro, nascerá uma
menina (XX); no segundo, um menino (XY). Oito semanas depois da
concepção, as primeiras características sexuais começam a se delinear.
Isto não ocorre, no entanto, com parte dos portadores da deficiência de
5-alfa-reductase.
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